quinta-feira, 7 de abril de 2016

Resenha: “Turismo para cegos” – Tércia Monteiro

Vi uma recomendação de leitura desse livro e a descrição inicial me chamou muito atenção: Trata-se da história de Laila, estudante de artes plásticas (pintura) que tem uma doença degenerativa na visão (retinose pigmentar) e que após o diagnóstico da doença e o prognóstico da cegueira inevitável, passa a se relacionar com Pierre, um funcionário público sem grandes pretensões na vida, que é quem lhe ajuda (acolhe, na verdade) nessa primeira fase da etapa da vida de Laila como uma pessoa cega.

Por essa descrição, parece que seria uma história de amor e superação, em que a protagonista aprenderia a viver de uma outra forma, com a ajuda de uma pessoa legal, a qual iria fazer de tudo para a ajudar a encontrar um outro sentido para a sua vida, para a sua arte. Mas a realidade é totalmente o contrário: Laila é uma escrota sugadora de energia positiva e o Pierre é um cara com baixa autoestima, que vai permitir ser sugado por Laila.

É o primeiro livro que eu leio que o homem é que tem problemas de aceitação e vergonha do corpo, tanto que investe em um relacionamento com uma pessoa cega pela certeza que ela não iria ver as suas mãos. Bizarro. Dá vontade de chamar o cara e dizer: “Ei, mermão, te valoriza!”. A Laila faz o que quer com ele e ele passa a dedicar o seu tempo a proporcionar sensações a Laila, que a façam ter disposição para viver, já que ele acha que se ela não ficar com ele, ninguém mais ficará.

Ele vive essa vida de “novas sensações” até acontecer o óbvio: Ela achar outra pessoa mais interessante para brincar e o Pierre ficar lá, na fossa, com todas as lembranças dela na casa dele mais o cão guia, que também foi batizado de Pierre por ela (olha só o nível da maldade).

Não cheguei a uma conclusão se ela fazia isso por ser uma pessoa ruim, que só estava “vendo” um meio de se aproveitar as fragilidades dele em seu benefício ou se ela não estava sabendo lidar com a perda da visão, que veio junto a perda da profissão. Ou as duas coisas.

O livro dá uma ideia inicial do que é o processo de adaptação a cegueira, os desafios e como são as crises de pânico dos cegos. A descrição é tão precisa que chega a te fazer piscar algumas vezes, só para ter certeza de que está tudo bem com a sua visão.

Há uma terceira personagem, que é a funcionária do pet shop em que o Pierre compra o cão guia para Laila. Ela funciona como narradora em algumas partes do texto, ora contando os fatos que envolvem Pierre e Laila de fora, ora figurando como aquela amiga (no caso, do Pierre) que te dá um sacolejo e diz pra você abrir o olho.

Leitura fácil, com um enredo diferente do que se imagina e um final surpreendente.   

   

quinta-feira, 17 de março de 2016

Quem tem uma penseira para vender?


Quem gosta de Harry Potter (_o/) vai entender do que eu estou falando. Dumbledore tem na sua sala um objeto chamado de “penseira”. Originário do verbo pensar, ela serve para depositar lembranças/pensamentos, o que permite que o depositante alivie a mente de determinados (ou todos) pensamentos ou recordações que o incomodam. Possibilita também que memórias sejam revistas por outro ponto de vista, o de expectador.

Serve também para que depois de depositado na penseira, um terceiro (Harry Potter) também tenha a possibilidade de entrar naquele pensamento/lembrança (ainda que o dono do pensamento não queira) conhecendo dos fatos, avaliando a situação, opinando e etc. Legal é que a lembrança pode ser guardada em outro local, ser dada a uma outra pessoa ou pode retornar para a cabeça do dono.

De todas as facilidades que os objetos mágicos de Harry Potter poderiam proporcionar a nós, trouxas, a penseira é a que mais me encanta, até mais que o gira tempo da Hermione. Tem dias que são tantas coisas que passam ao mesmo tempo pela minha cabeça, que gostaria de poder selecionar o que pensar, deixando outras coisas para depois. Melhor ainda é poder escolher o que guardar ou o que colocar em uma garrafa, para depois fazer dela uma chave de portal com destino a Albânia. Mais vale uma memória ruim na Albânia e do que aqui, martelando na minha cabeça.

Rever fatos na qualidade de expectador também deve permitir que as decisões sejam tomadas com mais segurança. O que será que você veria se olhasse você vivendo a sua vida por outro ângulo? Ficaria feliz com decisões que tomou? Manteria as mesmas pessoas ao seu redor? Talvez. Queria poder ver a cara que dizem que eu faço quando alguém me diz alguma coisa que eu não concordo. Minha mãe diz que é uma cara de “fedor”. Queria saber como é essa cara.

Quem você levaria para dentro de uma memória para te ajudar a arrumar os pensamentos, literalmente? Quem seria digno de tamanha intimidade? Quem você teria vergonha de levar? Levaria alguém com o dom de me organizar, porque de desorganização já basta aquela natural.

Pena que mesmo com esse objeto, que tem tantas utilidades, não conseguiram ver amor que exalava do Snap. O amor dele pela Lilian e a sua resignação em amar o filho do seu amor, pelo simples fato de ser filho dela. Tem gente que é mal compreendida, vai entender.

Enfim, se alguém encontrar um anúncio de venda de penseira na OLX ou conhecer alguém que queira se desfazer da sua, eu tenho interesse em comprar. Pode dar o meu contato. 

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Conto – O Recomeço

Estava naquele aeroporto pronta para fugir da rotina que me lembrava tudo o que eu queria esquecer. Não foi fácil terminar, ainda que há muito tempo não fosse amor. A rotina nos acomodou e nos deu a falsa ilusão de completude, quando na realidade não passava de comodismo, rotina e o medo do novo. Afinal, foram anos dividindo uma rotina de obrigações que, a partir de agora, seriam vividas sozinhas.

Decidi que viajar sozinha seria um bom recomeço. Precisa reaprender a viver só, a planejar as saídas do aeroporto, aprender as linhas do metrô, prestar atenção nos caminhos e outras coisas que dentro da rotina a dois não estavam nas minhas “obrigações”. Agora o planejamento seria todo meu e isso me assustava.

Como forma de minimizar, decidir que iria passar os dias com uma amiga em outro Estado. Fiz a parte do roteiro que estava acostumada (restaurante, teatro, shoppings, livrarias...) e deixei por último o itinerário do aeroporto até a casa dela. Decidi que só me preocuparia com o transporte na cidade depois que já estive lá, com ela. E assim por diante, cada dia com as suas dificuldades. Não adiantava me preocupar com a “parte dele”, pois isso só me consumia.

O voo ocorreu tranquilamente e depois de cumpridas as formalidades do aeroporto, lá estava eu, no ponto de ônibus, esperando a chegada do ônibus que me levaria até a estação de metrô e de lá pegaria o metrô até a casa da minha amiga. Entrei, paguei e sentei. Divagando em meio aos meus pensamentos, escutei uma voz masculina pedir licença para sentar, virei o olhar e disse pra ele ficar à vontade.

Ele era moreno, alto, usava barba, mochilão nas costas e um sorriso lindo. Começamos aquela conversa padrão de ônibus e logo depois já estávamos rindo das experiências da vida que nos fizeram chegar até ali, naquele ônibus. Conversa leve, despretensiosa, relaxante e que te faz sorrir com os olhos sem motivo. Ele se chamava Marcus, 30 anos, engenheiro e mochileiro nas horas vagas. Em um dado momento da conversa, me senti a vontade para dizer que fazia muito tempo que não viaja só e que me assustava a ideia de estar sozinha em uma cidade grande e me perder.

Ele sorriu e disse que o melhor de qualquer viagem é se perder. Sempre haverá um café fantástico na rua errada, uma livraria não catalogada para desfazer qualquer programação ou alguém legal para conhecer, como a gente, naquele ônibus. Certeza que eu fiquei vermelha naquele momento. Sorri e concordei.
Quando vimos, já estamos na estação de metrô. Fomos andando até o guichê de compra dos bilhetes do metrô, compramos e em um dado momento, precisávamos nos despedir, pois pegaríamos linhas diferentes. Ele perguntou se eu queria ajuda. Eu agradeci e disse que não, que dessa vez eu queria me perder.

Ele me deu um cartão de visitas e disse que poderia ligar se me perder sozinha não estivesse sendo tão legal quanto se perder juntos.

Ele seguiu pela sua linha e eu pela minha.

    

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Gratidão

Deu vontade de escrever sobre gratidão. Quando pensei nessa palavra e na vontade de escrever sobre ela me veio aquela formatação completa do texto da cabeça, como se um “papel” (leia-se, condições de escrever de imediato) fosse o que mais precisasse naquele momento. Acho que todo mundo que tem o hábito de escrever (seja no trabalho ou por lazer) já perdeu textos incríveis por não ter um “papel” naquele momento de inspiração repentina.

Certo, mas porque gratidão? O que que esse sentimento tão propagado e pouco praticado tem de tão importante no meu dia de hoje? Em meio a uma fase que a tomada de decisões radicais tem se tornado regular e que a necessidade de mudar hábitos em função do possível êxito dessas decisões, senti uma necessidade enorme de agradecer por tudo o que eu já alcancei nesses quase 26 anos, bem como de estimular alguém (possivelmente você, que está lendo esse texto) a agradecer também.

Estabelecer metas é fundamental para a evolução pessoal de cada um, desde que a meta não te consuma. Não te cegue ao ponto de impedir de enxergar o aprendizado que cada etapa de superação das dificuldades te proporciona, bem como de aprender a conviver de maneira saudável com o que não tem solução. O bom e velho: “o que não tem remédio, remediado está”. Acredite, tem coisa que não tem solução, é necessário aprender a conviver (bem) com o problema e isso é o bonito dele.

Sou minha maior crítica. Minhas expectativas em relação a mim mesma são as maiores possíveis, mas a minha vida não vai começar depois que as metas forem alcançadas. Ela já começou! Algumas abdicações (temporárias) são necessárias, mas sem perder de vista o que foi já construído. Sem perder o prazer dos aprendizados diários. Sem perder o amor.