domingo, 21 de fevereiro de 2016

Conto – O Recomeço

Estava naquele aeroporto pronta para fugir da rotina que me lembrava tudo o que eu queria esquecer. Não foi fácil terminar, ainda que há muito tempo não fosse amor. A rotina nos acomodou e nos deu a falsa ilusão de completude, quando na realidade não passava de comodismo, rotina e o medo do novo. Afinal, foram anos dividindo uma rotina de obrigações que, a partir de agora, seriam vividas sozinhas.

Decidi que viajar sozinha seria um bom recomeço. Precisa reaprender a viver só, a planejar as saídas do aeroporto, aprender as linhas do metrô, prestar atenção nos caminhos e outras coisas que dentro da rotina a dois não estavam nas minhas “obrigações”. Agora o planejamento seria todo meu e isso me assustava.

Como forma de minimizar, decidir que iria passar os dias com uma amiga em outro Estado. Fiz a parte do roteiro que estava acostumada (restaurante, teatro, shoppings, livrarias...) e deixei por último o itinerário do aeroporto até a casa dela. Decidi que só me preocuparia com o transporte na cidade depois que já estive lá, com ela. E assim por diante, cada dia com as suas dificuldades. Não adiantava me preocupar com a “parte dele”, pois isso só me consumia.

O voo ocorreu tranquilamente e depois de cumpridas as formalidades do aeroporto, lá estava eu, no ponto de ônibus, esperando a chegada do ônibus que me levaria até a estação de metrô e de lá pegaria o metrô até a casa da minha amiga. Entrei, paguei e sentei. Divagando em meio aos meus pensamentos, escutei uma voz masculina pedir licença para sentar, virei o olhar e disse pra ele ficar à vontade.

Ele era moreno, alto, usava barba, mochilão nas costas e um sorriso lindo. Começamos aquela conversa padrão de ônibus e logo depois já estávamos rindo das experiências da vida que nos fizeram chegar até ali, naquele ônibus. Conversa leve, despretensiosa, relaxante e que te faz sorrir com os olhos sem motivo. Ele se chamava Marcus, 30 anos, engenheiro e mochileiro nas horas vagas. Em um dado momento da conversa, me senti a vontade para dizer que fazia muito tempo que não viaja só e que me assustava a ideia de estar sozinha em uma cidade grande e me perder.

Ele sorriu e disse que o melhor de qualquer viagem é se perder. Sempre haverá um café fantástico na rua errada, uma livraria não catalogada para desfazer qualquer programação ou alguém legal para conhecer, como a gente, naquele ônibus. Certeza que eu fiquei vermelha naquele momento. Sorri e concordei.
Quando vimos, já estamos na estação de metrô. Fomos andando até o guichê de compra dos bilhetes do metrô, compramos e em um dado momento, precisávamos nos despedir, pois pegaríamos linhas diferentes. Ele perguntou se eu queria ajuda. Eu agradeci e disse que não, que dessa vez eu queria me perder.

Ele me deu um cartão de visitas e disse que poderia ligar se me perder sozinha não estivesse sendo tão legal quanto se perder juntos.

Ele seguiu pela sua linha e eu pela minha.

    

Nenhum comentário:

Postar um comentário